25/05/2011

Prece Dominical


Prece Dominical

Domingo pela manhã peguei o carro. As manhãs de domingo contêm duas espécies: velhinhos agasalhados, com gorros, luvas e meias; e resquícios adolescentes do sábado à noite, de olhar vago, perdido.

Domingo pela manhã é o único horário que se pode andar abaixo da velocidade máxima da via sem incomodar e sem ser incomodado.

Parada no semáforo, ao invés de manter o olhar fixo na vindoura mudança de cores a fim de orquestrar câmbio, acelerador e embreagem, olhei para cima e vi o céu. Ventava tanto nessa manhã que o sinal fechou não para os carros, escassos, mas para uma nuvem que passou de ponta a ponta em meu horizonte, tão veloz que parecia puxada por engrenagens celestes.

Mais à frente, tamanha era a falta de ruído, carros, gentes, buzinas, fumaças... que me peguei contemplando as árvores. E quando foi a última vez que uma árvore ao vento teria sido alvo da minha atenção? Há uns dez anos segundo meus cálculos.

Estacionei o carro e assisti um andarilho a catar as coisas que, de seu carrinho enferrujado de mercado, caíram por conta do relevo acidentado do asfalto. Sozinho. Por vezes mirando os passantes.

Negro, tortuoso e retirado das profundezas da terra: o asfalto.

Chorei, e como corolário senti que talvez a falta de lucidez é que me carrega, pois por meus próprios pés... eu não iria.

Walkiria Eyre, 22/05/2011.




"A mendiga descia sempre a mesma hora e se situava no mesmo tramo da escalinata, com a mesmaenigmática expressãode filosofo do séculodesenove. Como era habitual, colocava a sua frente um prato de porcelana Sèvres mas não pedia nada, nem tocava quena e muito menos violino. Logo não desafinava como os outros mendigos da zona.
As vezes abria sua mala velha de lona remendada e tirava algumlivro de Holderlin ou de Kierkegaard ou de Hegel e se concentrava na sua leitura sem óculos.
Curiosamente, os que passavam iam deixando moedas ou bilhetes e até algum cheque, não se sabe se em reconhecimento a seu afinado silencio ou simplesmente porque comprediam que a pobre tinha se equivocado de época."