14/01/2012

Lá dentro, é cinza.

A dúvida é o primeiro passo para que exatamente nada aconteça. Não saber o que fazer, nem aonde ir, nem o que dizer.

Há verde por todos os lados. Caminho lentamente, boa parte do tempo admirando o chão próximo a mim. O caminho é de areia, cimento e cascalho. A largura é de uma vez e meia a envergadura dos meus braços. O centro do caminho está quase seco, suas laterais são bem molhadas e a umidade vem ao centro em um degrade de água. Sobre a grama, árvores frondosas se prendem ao chão por meio de extensas e grossas raízes que criam alguns caminhos na superfície. Caminhos que servem de canteiro para pequenas moitas que, recostadas nas raízes, dão a impressão de aconchego.

Pássaros anunciam o início da noite. Corujas, com olhar de suspeita, saciam sua fome. Começa a chover uma chuva fina e triste. No silêncio dos barulhos mundanos, ouço cada gota que toca suavemente as folhas das copas, num som que se assemelha a beijos com estalos, aqueles beijos que dou em meu amor.

Sigo sob os beijos úmidos do céu. Em pouco tempo, vasculho os bolsos do agasalho até encontrar um molho de chaves. Abro a porta, entro e fecho a porta. Ao meu redor, barras de metal cilíndricas esmaltadas em branco. Acima de minha cabeça as barras de metal se encontram numa bela cúpula. O mundo volta a ter a franja branca sobre tudo. Agora eu tenho que cantar músicas alegres, ainda que sejam cinzas em meu coração, para receber daquele que me alimenta, um pouco de água e pão. Faço meu número, em seguida adormeço sonhando com a liberdade de poder amar, sentir, desejar. Mas logo o dia começa, e saio apenas com a certeza de que todo dia, ainda volto pra ela, minha pequena prisão de cúpula branca e bela.


13/01/2012

Sabedoria Ancestral

Ouço da Anciã as palavras que se seguem: "não há bem que não se acabe, nem mal que se perdure". Ouví-las gerou em mim um profundo sentimento de respeito e gratidão. Sou fruto de uma linhagem guerreira e sábia, forjada através de tempos imemoriais, protegida pelo segredo e pela fé. Mãos impuras jamais tornarão a tocar sequer meus cabelos. A fúria de meu olhar será suficiente para afastar inimigos, visíveis ou invisíveis.

Irei tecer de próprio punho a manta que me cobrirá com a razão. O tempo caminhará ao meu lado enquanto outros perecerão. Amparada na honra, permanecerei no altar digno daquelas que me precederam.


12/01/2012

04/01/12

04/01/12

Estacionei o carro quase em frente à padaria. Enquanto me ajeitava para sair olhei de relance para o outro lado da rua e um senhor deteve meu olhar. Era magro, judiado pelo sol, rosto enrugado. Usava uma camisa social verde escura, aberta no peito, calça social preta, um sapato e uma mochila esporte nas costas. Na calçada, bem próximo da rua, ele se abaixa e, com a mão em concha, pega água da sarjeta e passa no rosto e no peito, refrescando-se. Em seguida, olha o movimento da rua e cruza ao outro lado. Eu fico no carro, observando. Ele entra na padaria, seu caminhar é pouco confiante, confuso e indeciso. Sai de lá em menos de um minuto, sem nada nas mãos, com a mesma mochila nas costas, com o mesmo caminhar... não parecia bêbado, mas parecia perdido.

09/01/2012

Café aleggria

20:40h. Chove aquela chuva infinita que deixa a noite mais escura e torna o asfalto um espelho disforme.
Adoro cafés.
Esse que estou agora fica no que eu chamaria de esquina. Bem, é na ponta de um quadrado.

Coloco a bolsa sobre a mesa mais próxima e começo a fechar desajeitadamente o guarda-chuva, numa tentativa de evitar a água, como se evita machucar o dedo ao pregar um prego com o martelo. É só uma tentativa.
Uma jovem simpática, levemente rechonchuda, de pele da cor do café com leite e cheiro de canela, e um sorriso grande e fácil me recepciona: "boa noite!". Respondo igualmente.

Peço uma empanada e um café com leite condensado.

O mundo é diferente do que nos contam quando paramos e olhamos nós mesmos para ele.

Comi a empanada de alho poró com ricota antes que perdesse seu calor para as sílfides gélidas da noite. Depois, me diverti com o chantilly do café, comendo-o com a boca como se fosse uma bola de sorvete na casquinha. É mais gostoso quando a gente se diverte. Tem sabor de infância, quando não sabemos o significado da palavra problema e existe uma melhor do que abbrakadabra: mãe.

Um carro estaciona ao lado do meu, em frente ao café. Um bom tempo depois, um casal desce. O rapaz, que estava do lado do motorista, simplesmente vai para a calçada. A garota fica parada, olhando a água que corre pela sarjeta e esperando que o rapaz olhe para ela. Então, quando da devida atenção dele, ela diz: "não, impossível passar aqui".

Voltei para o meu café, e deixei que eles resolvessem o problema do precipício sozinhos.

O nome do café com leite condensado na carta de cafés é "café aleggria". Parei de ouvir a dança das águas por instantes; das caixas de som instaladas nas paredes saía uma salsa cubana...


Sensação estranha de conforto

08/01/12

Onde estaria a estranhez da sensação? E qual conforto é esse?

Confortável é quando você cabe sem faltar nem sobrar. É quando ocorre um ajuste entre você e a coisa. É quando a engrenagem não range nem escorre óleo. Mas é mais do que isso. O conforto gera a expectativa da continuidade, além de dar a impressão de que você é ou está inatingível a coisas que naturalmente poderiam incomodar.

A estranhez está em se fiar a um conforto que gera desconforto. Um conforto que protege você com tantos véus que fica difícil enxergar, causando a suspeita da insegurança. Um sentimento estranho porque é controverso, porque acolhe no escuro. Porque nos obriga a confiar no desconhecido.

08/01/2012

31/12/11

31/12/11

21 horas em Ribeirão Preto, ainda não está escuro nas ruas. A lua é um pingente prateado rodeado por uma luz branca e nebulosa. O céu, com nuvens, tem os mais lindos tons de azul já vistos em toda a minha vida... São muitos azuis, mesclados, os mais lindos azuis.

É por isso que caem

Todo rei é homem.

Tetris, from Russia with love

06/01/2012

Mudança de ares

porque há ares que vem para o bem.

30/12/11

Entrei silenciosamente. O zelador não tirava os olhos de mim: bermuda jeans, cabelo com pontas vermelhas, mochila de couro preta.... não é bem a indumentária religiosa. Sento-me em um banco na lateral, próximo ao altar frontal. Faço algumas preces e agradecimentos. Parece que não fazê-los é desrespeitoso...

Ao terminar meu momento meditativo, continuo quieta, apreciando a nave, seus vitrais, o presépio. Em seguida, um senhor entra pelos fundos do altar, vai até ao microfone central e dá batidinhas para testá-lo. Passa pelo púlpito e encaminha-se a um dos vários tronos de madeira enfileirados nas paredes laterais com suportes de madeira e genuflexórios, deposita sua bíblia sobre o apoio de madeira, senta-se na enorme cadeira, e assim permanece por alguns segundos. Une as mãos cruzando os dedos e profere algumas palavras de fé. A minha distância só permite perceber o movimento de seus lábios santos. Então ele descruza as mãos, abre a pequena bíblia, folheia por algumas páginas e se detém em uma página especial. Lê algum trecho, tira os olhos do livro sagrado e olha para o nada, pensativo. Segundos depois, coloca uma das mãos no queixo, em uma pose meditativa, franzindo levemente o entrecenho. Permanece assim longos segundos, admirando o pensamento, tentando ouvir o q ele tem a dizer. Então, Dom Hypólito, que veio da Itália e até a idade de hoje falava com sotaque, que naquela ocasião vestia túnicas brancas, que tinha ainda muito cabelo, todo ele branco, e que tinha a cabeça ligeiramente inclinada pelo peso dos anos, fecha o livro e também os olhos. Ora com movimentos preguiçosos da boca, numa alternância de oração em voz baixa e apenas mental. Continua nesse gesto em oração, porém às vezes com os olhos fechados e às vezes com eles abertos, como se não se sentisse seguro por muito tempo, ou talvez a desconfiança seja um hábito. Minutos depois, duas pessoas passam entre as fileiras de bancos para os fiéis do centro da nave e o púlpito. Uma, e depois outra. As duas tiram a atenção do padre momentaneamente. Mas ele continua lá, sentado, sem pressa. 

Me levanto, e me encaminho silenciosa e vagarosamente à saída. Os olhos do zelador não me perseguem mais. Já não sou ofensiva. Adoro igrejas.